Os arouquenses na linha da frente na Primeira Guerra Mundial
O assassinato do herdeiro ao trono do império Austro-Húngaro, Francisco Fernando, a 28 de junho de 1914, em Sarajevo, fez despoletar a Primeira Guerra Mundial, tendo a Alemanha declarado guerra à Rússia.
A Europa dividiu-se em dois grandes blocos, a Triplice Entente, composta pela França, Reino Unido e Império Russo, e a Triplice Aliança, constituída pelo Império Alemão, o Império Austro-Húngaro e o Reino de Itália.
Contudo, o assassinato do herdeiro foi apenas o eclodir de um conjunto de fatores que vinham há muito a fazer-se sentir na Europa. A Belle époque, fortemente caraterizada pelo cosmopolitismo e pela relação próxima com a arte servia de suporte à ideia de que o velho continente teria a supremacia económica e intelectual sobre os restantes continentes, encobrindo, no entanto, um tempo de graves crises económicas.
A somar a isso, o período designado por Paz Armada, desde o fim da Guerra Franco - Prussiana até ao início da Grande Guerra foi caraterizado pelo surgimento de inúmeras alianças entre os Estados e pelo crescente investimento do seu capital na indústria do armamento e na instrução de homens para combater. Na sequência desta Guerra, tornou-se também evidente o surgimento de movimentos nacionalistas e a sede de vingança da França em relação à Alemanha.
Em Portugal, à data do início do conflito armado, aprendia-se ainda a viver num regime republicano e ansiava-se alguma afirmação internacional. A guerra, no entender português, poderia ser o mote para essa afirmação junto das potências europeias, na sua maioria monárquicas.
Ao longo dos séculos, Portugal estabeleceu vários acordos com a Inglaterra, tendo esta aliança ficado melindrada quando Portugal mostrou vontade em exercer soberania sobre os territórios africanos entre Angola e Moçambique (Mapa cor-de-rosa) e consequentemente, o Ultimato Inglês.
A par deste conjunto de situações, Portugal descobre as negociações entre a Inglaterra e a Alemanha, onde estes projetavam a possibilidade de divisão das colónias portuguesas entre si, aumentando, desta forma a aspiração alemã de aumentar as suas colónias em África.
Todavia, as relações diplomáticas mantiveram-se e embora a Inglaterra, num primeiro momento, não quisesse que Portugal entrasse na Guerra, a 9 de março de 1916 a Alemanha, através do seu representante em Lisboa, declara guerra a Portugal.
Esta declaração foi justificada pelos alemães com a subordinação de Portugal a Inglaterra, prestando-lhe vassalagem, uma vez que Portugal, a pedido da sua aliada, tinha tomado como seus, os barcos alemães que estavam ancorados na costa portuguesa.
Com isto, Portugal juntou-se à Triplice Entente e tornava-se imperativo organizar uma força expedicionária para rumar a França. Surge assim, o Corpo Expedicionário Português (CEP) que era constituído por cinquenta e cinco mil homens que foram convocados para guerra. Estes seguiram, numa primeira fase, para Tancos, onde receberam uma fugaz instrução militar, ficando este processo conhecido por "milagre de Tancos", pela rápida transformação de camponeses em soldados.
Depois desta "preparação", foram levados para Lisboa onde eram esperados pelos navios que os transportavam para o norte de França. No entanto, imediatamente após o despoletar do conflito, em setembro de 1914, parte das tropas portuguesas já se encontravam a combater os alemães nas fronteiras dos territórios coloniais portugueses em África, sendo cerca de dezoito mil em Angola e trinta mil em Moçambique.
É sabido que o tempo de guerra não foi fácil para os guerreiros lusitanos, muitos deles provincianos, analfabetos, saídos pela primeira vez de casa, sem nunca ter visto o mar, um barco, uma cidade, o mundo. As condições em que viveram durante o conflito eram miseráveis, passaram fome e frio e coabitaram com diversas espécies animais nas trincheiras.
Em Arouca, à semelhança do que se verificou por todo o país, os homens foram chamados à frente de batalha para servir e honrar a pátria. Da terra do Convento saíram, de acordo com os registos do Arquivo Municipal, cerca de 222 combatentes, oriundos de 18 das 20 freguesias de então. Cerca de 169 partiram para a Flandres para o principal palco de guerra e 53 foram defender Moçambique. De salientar que não há registo dos combatentes arouquenses que protegeram Angola.
Na Flandres, a freguesia de Arouca foi a mais representada, com 28 combatentes, seguindo-se Escariz, com 21, o Burgo com 12, Tropeço com 11, Alvarenga com 10, Santa Eulália com 10, Mansores com 9, Espiunca com 9, Chave com 8, Canelas com 7, Rossas com 7, São Miguel do Mato com 6, Várzea com 6, Fermedo com 6, Urrô com 4, Moldes com 3, Covelo de Paivô com 1 e Albergaria da Serra com 1 também.
Para Moçambique seguiram14 naturais da freguesia de Arouca, 5 de São Miguel do Mato, 4 de Rossas, 4 de Mansores, 3 de Chave, 3 do Burgo, 4 de Escariz, 1 de Espiunca, 1 de Canelas e 1 de Urrô.
A caligrafia da "caderneta militar" de 21 combatentes não permite identificar fielmente a sua freguesia. Contudo, 9 desses combatentes foram para a Flandres e 12 para Moçambique. A somar a isso, existe um soldado da freguesia de Arouca que não é possível saber para onde foi combater. As freguesias de Cabreiros e de Janarde não tiveram representação na Guerra.
No que diz respeito à posição hierárquica ocupada pelos beligerantes arouquenses em França, 80,4% eram soldados, 13,7% eram Primeiros - Cabos, 1,96% eram Segundos - Cabos, 1,96% ocupavam a posição de Sargento e 1,96% eram corneteiros.
Entre estes combatentes, note-se a história de dois irmãos arouquenses, naturais da freguesia do Burgo, António de Oliveira e Silva, casado e Álvaro Oliveira e Silva, solteiro. O primeiro embarcou em Lisboa a 23 de fevereiro de 1917 no 1º batalhão da infantaria nº24, tendo sido promovido a Primeiro-Cabo a 26 de maio de 1918, justificada esta promoção como "Louvado pela indiferença pelo perigo, espirito de sacrifício e solicitude e devotado interesse com que desempenhou o serviço de agente de ligação nas linhas mostrando uma verdadeira compreensão da importância e responsabilidade dos serviços que lhes eram confiados". Regressou a Portugal a 14 de junho de 1918.
O seu irmão, Álvaro, teve nas duas frentes de guerra, partindo para Angola a 20 de janeiro de 1915 e desembarcando nesta colónia a 9 de fevereiro. "Embarcou em Moçâmedes de regresso à metrópole em 11 de março de 1916. Desembarcou em lisboa em 28", tal com está explicito na sua caderneta militar, guardada até hoje pelo seu filho António Silva.
Quando regressou a Portugal, Álvaro pensava estar dispensado do serviço militar, o que não se veio a verificar, pois foi convocado a integrar o CEP em direção a França a 14 de maio de 1916. Nesta senda, embarcou para França em 21 de Agosto de 1917, regressando cerca de dois anos depois a 19 de abril de 1919.
O seu filho, António, guarda na memória as memórias do seu pai, lembrando os ferimentos que este tinha nas pernas pela permanência dentro de água e lama nas trincheiras, durante a Guerra. Recorda ainda que o seu pai sofreu algumas consequências do gás e que os soldados usavam máscaras porque não sabiam quando voltariam a ser atacados dessa forma.
Para a imortalidade fica uma fotografia em que está António (à esquerda), Álvaro (à direita) e outro soldado (sentado, ao centro), possivelmente natural de Arouca. Esta fotografia está datada por Álvaro que a enviou para a família, dando nota da sua sobrevivência. Além disso, a curiosidade da existência desta fotografia, recai sobre o facto dos dois irmãos se terem encontrado na Flandres, uma vez que o primeiro a partir para a Guerra não sabia que o seu irmão também para lá iria 6 meses depois.
A batalha de La Lis, travada na região da Flandres, foi desencadeada pelas tropas alemãs, a 9 de abril de 1918. Foi a mais mortífera batalha para os soldados portugueses, tendo morrido 1341 homens, ficando feridos 4626, desaparecido 1932 e aprisionados 7440 pelas tropas alemãs. O CEP teve assim a baixa de 15339 homens.
Alguns dos combatentes naturais de Arouca foram também dados como desaparecidos a 9 de abril (de acordo com as observações presentes nas suas "cadernetas militares"), como é o caso de Augusto de Sousa Salazar, natural da freguesia de Tropeço que foi dado como desaparecido à data da Batalha de La lis e "por comunicação da comissão de prisioneiros de Guerra foi feito prisioneiro do inimigo, sendo enternado no Campo Munster II", na Alemanha. Só a 19 de janeiro de 1919 foi libertado, tendo desembarcado em Lisboa a 28 do mesmo mês.
A Guerra terminou com a assinatura do armistício entre os países envolvidos no conflito, no dia 11 do 11 às 11 horas, corria o ano de 1918. Resta lembrar todos aqueles que morreram na guerra, na sua maioria inocentes e sem saber o que realmente se passava, formatados para honrar e proteger a pátria, morrendo por ela se assim fosse necessário. Aos 222 arouquenses que partiram para a linha da frente de guerra e aos 26 que lá morreram, resta-nos evocar-lhes a memória.
