A mestria do Sr. Abel

16-09-2018

A vida é feita de passado, de presente e de futuro, não sendo possível viver o presente sem pensar no futuro nem pensar no presente e no futuro sem ter memória do passado.

Viver sem memórias seria como perder a identidade e como nascer todos os dias.

Em Arouca a memória vai-se mantendo viva, muito por força da ligação e do sentido de pertença que os de hoje têm à história individual e coletiva dos seus antepassados.

Neste sentido, é lembrado como "o senhor do carro pequenino", ou como "o senhor Abel da Casinha" e a verdade é que qualquer arouquense que tenha vivido a sua infância ou juventude nos anos 80 e 90 se recorda do Senhor Abel de Pinho Gomes, natural do lugar da Casinha, Santa Eulália.

O Senhor Abel nasceu a 7 de janeiro de 1920 e em criança, uma meningite deixou-o com problemas de mobilidade para toda a vida. Casou, teve nove filhos e a sua arte era consertar relógios, embora lhe seja reconhecida a arte de recuperar tudo o que precisasse de conserto.

Na sua vida foi sempre mestre de si próprio, uma vez que aprendeu sozinho as várias artes a que se dedicava, apaixonadamente, pela necessidade que tinha de fazer o bem.

Com uma enorme capacidade para estes trabalhos, o Sr. Abel "salvou" muitos relógios, pequenas máquinas e são muitos os arouquenses que recordam este senhor por ter arranjado as suas bicicletas, reconhecendo o seu talento e dedicação nos trabalhos minuciosos e que requerem atenção.

São vários os episódios da sua vida que o fazem ser recordado. Um deles fazia parte da sua rotina de domingo, em que era prática comum, o Sr. Abel, acompanhado pela sua esposa Maria Júlia Bessa de Oliveira, sair de sua casa, em direção à vila de Arouca, ao volante de um pequeno carro.

Por lá fazia as delícias dos mais novos que viam naquele carro a fantasia tornada realidade, como se este tivesse saído de um filme de animação.

Mas não era bem assim, o carro que levava este casal no passeio de domingo, foi construído, na íntegra pelo seu proprietário, engenhoso e perfecionista, que o construiu a partir de um motor de uma motorizada Florett. Este carro, embora fosse visto, na maioria das vezes descapotável tinha uma capota que o compunha. Contudo a sua habilidade e perícia para estes trabalhos, não se esgotou na construção deste carro, tendo construído outro, a partir de uma motorizada Java 125 que dada a sua potência, andava muito e era mais difícil de controlar e por isso vendeu.

A sua astúcia fez com que conseguisse contornar uma limitação que poderia ser uma frustração de vida e a audácia e perícia, tornaram-no um visionário.

O carro permanece intacto, à guarda da família, e quem sabe um dia seja peça de museu.

O Sr. Abel faleceu a 30 de março de 2006, aos 86 anos de idade, no entanto, reside na memória coletiva dos arouquenses, não só por se passear, ladeado pela sua esposa nas tardes de domingo, pelo fascínio que o carro provocou em quem o via, mas sim pela mestria de quem acreditou que seria possível construí-lo e fazê-lo andar.

E essa é a maior homenagem que lhe pode ser feita.

Crie o seu site grátis! Este site foi criado com a Webnode. Crie o seu gratuitamente agora! Comece agora